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sábado, 26 de março de 2011

A quinta, as estátuas em faiança, os azulejos e as minhas mágoas

Confesso que minha intenção era parar de publicar neste blog as colunas do jornal, mas como esta trata de uma coisa muito profunda e significante para mim, faço questão de exibi-la e incrementá-la com fotos:



Caetano Pereira da Motta
   Semana passada, fiz um rápido levantamento sobre alguns prédios majestosos que foram demolidos. Entre os referidos, deixei para essa ocasião um em especial, motivo de minha maior mágoa em relação à cidade de Cruz Alta. Aqui abro uma ressalva: quando discorro sobre esse extinto local que tanto poder exerce sobre mim, sou como uma criança problemática: sei que o problema não está em nenhum lugar além de dentro de mim, mesmo assim, acabo descontando nos outros, ou melhor, em nossa cidade.
   Em torno de 1841, arranchou-se em Cruz Alta um português oriundo da Freguesia de São Miguel d’Oliveira do Douro, chamado Caetano Pereira da Motta. Este, rapidamente prosperou no comércio local e adquiriu inúmeros terrenos na cidade, fixando residência no prédio onde hoje é a Sorveteria Nápoli, na Rua Pinheiro Machado. No ano de 1858, Caetano Pereira da Motta construiu, no terreno ao lado, onde hoje é a “Loja Caserna”, uma magnífica quinta (chácara) portuguesa, que, na minha opinião, foi o local mais mágico, fantástico e distinto de tudo que já foi construído em Cruz Alta. Era um pedaço de Portugal erigido em domínio tupiniquim. Até mesmo o pórtico da chácara era de um requinte ímpar. 
 Croqui do pórtico
 
Detalhe monograma CPM
Detalhe dos azulejos portugueses

   
     O portão de ferro trabalhado (vide foto ao lado), que resguardava a fachada, foi trazido de Portugal, e continha impresso o monograma do fidalgo “CPM” (vide foto). Nos muros laterais do portão, agrupavam-se alguns azulejos (Vide foto acima) em forma de losango, que se alternavam em azul e branco, e azul e amarelo (também trazidas de Portugal) e, mais acima, a “curva francesa” entre as duas extremidades, que mais pareciam “caracóis de cimento”. 
    Acima do portão, foi gravada a data de construção (1858) e, no topo da estrutura, dois vasos em faiança, também oriundos de Portugal.
   Transpondo-se o portão, descia uma longa escadaria feita com pedras da cidade de Itaqui. (vide foto logo abaixo) 


Estátua do Continente Africano
    Rodeando o acesso, uma vegetação abundante decorada por camélias e hortênsias. Ainda no primeiro plano do corredor, exibia-se uma estátua de um cão sentado, olhando de frente ao portão. Esse pequeno nível fazia descer mais cinco degraus, que dava para outro nível reto, onde haviam quatro pedestais ornamentados com os mesmos azulejos da fachada. 
   Acima de cada pedestal havia quatro estátuas femininas (vide foto) que simbolizavam os quatro continentes (a Oceania não havia sido descoberta naquela época).
A partir desse nível, a escadaria descia mais 3 ou 4 degraus, que conduzia para o pátio e ao restante da quinta, que não era de chão cimentado; nas duas extremidades desse mesmo nível, abria-se também dois corredores cimentados: um ganhava a casa do lusitano, onde hoje é a Sorveteria Nápoli; o outro dava para o prédio da atual Lili Boom, que também lhe pertencia. O trajeto que dali se seguia para a residência de CPM terminava em mais uma escadaria de ferro portuguesa (que ainda está lá, nos fundos da sorveteria).Vide foto abaixo:
A escada ainda está lá, embora soterrada de objetos, pois essa parte foi coberta.
Portãozinho ao fim do corredor

   Pois bem. Ao fim da escadaria que descia do portão frontal para os fundos, havia mais um portãozinho (vide foto), ornado dos mesmos detalhes do portão principal e incrementado por dois pedestais distribuídos em extremidades opostas, que sustentavam duas estátuas de leões em tamanho natural. Ao término do último degrau, erguia-se um arco de ferro, tal como um arco-íris, contornado com trepadeiras “Três Marias”. Dali para o restante do pátio, que se estendia por mais de 100 metros até a esquina da Rua Venâncio Aires, (onde hoje é a Farmácia Providência), havia uma infinidade de árvores frutíferas, muitos bancos e mesas de pedras e, mais ao fundo, próximo aos parreirais, uma estátua do Deus Baco (Deus do Vinho) - vide foto abaixo; pois o lusitano não era fraco e produzia “vinho do Porto”. 

 Foto de 1890. No círculo vermelho, podemos ver os fundos da quinta, que davam para a Rua Venâncio Aires. No círculo azul temos a estátua de Baco e, mais a direita, os referidos parreirais.

Nessa foto panorâmica fica mais fácil de entender toda a estrutura da quinta:
 O quadro vermelho indica os limites territoriais da quinta. O círculo amarelo indica a residência do CPM. O círculo verde indica sua outra casa, onde funcionava a Farmácia Motta. O círculo roxo indica o pórtico; a linha vermelha indica a extensão da escadaria, e, desta linha adiante, abria-se o pátio, carregado de árvores das mais variadas espécies.
 
   Encurtando a história, CPM morreu em 1893 e, desde então, o local vinha sendo repassado para herdeiros, até culminar no fim trágico, quando Diniz Dias Filho vendeu a quinta e ela veio abaixo, no fim da década de 1980. A quinta era conhecida por muitos como “o portão” e disseminou-se uma lenda de que era um cemitério, principalmente, devido as iniciais CPM (Caetano Pereira da Motta), que os populares traduziam como (Cemitério Público Municipal).
   Desde então, mantenho uma busca desesperada e constante por fotos e relatos de pessoas que conheceram o local. E para as gerações mais novas, que não tiveram o prazer de conhecer esse local fantástico, deixo mais algumas fotos, logo abaixo: